sábado, 31 de agosto de 2013

CONSOLO NA PRAIA

Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.
Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o 'humour'?
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.


(Carlos Drummond de Andrade)

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Poema da desilusão

O poema da desilusão não tem rimas, nem alegria
Poema feito de sonhos não alcançados e tristezas
De amores não vividos e vidas desperdiçadas
Poema feio, fraco, pobre e de palavras soltas

De passado nulo, presente ausente e sem futuro
Não há do que se arrepender, nem se recordar
Na verdade não há nada, amnésia talvez
Não há saudade, nostalgia, remorso, dor...

Exista talvez algumas histórias interessantes
Às vezes alguns raios de luz em sonhos
Mas, nunca se sabe o que eles dizem
E o segredo é o que mais consome e sufoca

Na batida de um coração o silêncio do outro
Nas palavras de carinho, nenhuma resposta
num beijo de amor a pueril satisfação
E nada mais que não seja visível ou palpável.

(Luis Henrique Bossi Veloso)

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Este é o Inverno

Um frio de leve
vem pra ficar.
A brisa suave
faz a árvore balançar.
O vento sopra
assobiando.
O céu escuro 
vai ficando.
As nuvens passam
de mansinho.
A chuva chega 
devagarinho.
As pessoas correm
abrindo guarda-chuvas.
Vi um homem de casaco
e uma mulher de luvas.
É esse o inverno
sorrateiro.
Vem chegando
e nem avisa primeiro.


(Clarice Pacheco)

domingo, 25 de agosto de 2013

Noite de amor


Liberte-se dos falsos pudores
e desfaleça em meus braços


Envolva-me em teus abraços
e eu serei teu fiel escravo

Saciarei tua sede de amar
e darei asas as tuas
alucinantes fantasias sexuais

Na penumbra deste palco sagrado,
aquecerei tua alma
com o calor dos meus beijos.
Banharei teu corpo
com a saliva da paixão
enquanto dedos indecentes,
guiados por mãos profanas,
encontrarão teu sexo
fazendo-te explodir de tesão


No ínterim desses delírios,
bocas famintas de prazeres carnais
navegarão nossos corpos
rumo ao cais primitivo
de nossos desejos

No ímpeto de nossas loucuras
trocaremos carícias, lambidas,
mordidas, abraços, beijos e afagos
até cairmos desfalecidos
em mais uma alucinante
noite de amor.
(Magno R Almeida)

sábado, 24 de agosto de 2013

Teus olhos

Teus olhos são a pátria do relâmpago e da lágrima, 
silêncio que fala, 
tempestades sem vento, mar sem ondas, 
pássaros presos, douradas feras adormecidas, 
topázios ímpios como a verdade, 
outono numa clareira de bosque onde a luz canta no ombro 
duma árvore e são pássaros todas as folhas, 
praia que a manhã encontra constelada de olhos, 
cesta de frutos de fogo, 
mentira que alimenta, 
espelhos deste mundo, portas do além, 
pulsação tranquila do mar ao meio-dia, 
universo que estremece, 
paisagem solitária.


(Octavio Paz)

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

O Jardim

Existe um jardim antigo com o qual às vezes sonho,
sobre o qual o sol de maio despeja um brilho tristonho;
onde as flores mais vistosas perderam a cor, secaram;
e as paredes e as colunas são idéias que passaram.
Crescem heras de entre as fendas, e o matagal desgrenhado
sufoca a pérgula, e o tanque foi pelo musgo tomado.
Pelas áleas silenciosas vê-se a erva esparsa brotar,
e o odor mofado de coisas mortas se derrama no ar.

Não há nenhuma criatura viva no espaço ao redor,
e entre a quietude das cercas não se ouve qualquer rumor.
E, enquanto ando, observo, escuto, uma ânsia às vezes me invade
de saber quando é que vi tal jardim numa outra idade.
A visão de dias idos em mim ressurge e demora,
quando olho as cenas cinzentas que sinto ter visto outrora.
E, de tristeza, estremeço ao ver que essas flores são
minhas esperanças murchas – e o jardim, meu coração.
             (H. P. Lovecraft)


segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Um triste poeta

Sou um poeta, um poeta das sombras e da escuridão.
Meus pensamentos só fazem sentido pra quem
também conhecem a dor e a solidão
Almas tristes e solitárias à procura de libertação
Minhas roupas refletem por fora o que escondo por dentro
Minhas palavras são contraditórias como o vento
Eu não descubro minha máscara para ninguém,
eles não sabem o que aqui atrás tem...
Ela me protege dos outros para que não possam descobrir
meu rosto, e verem lágrimas, lágrimas de criança que perdeu
por completo a esperança.
Meu coração não me obedece, ele me destrói e me enfraquece.
O tempo é a ironia da vida, caminhando lado a lado,
mas ambas perdidas.
(Tiago Dutra)

domingo, 18 de agosto de 2013

Alta Tensão

Eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo passar
Eu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
E sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
Você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar!


(Bruna Lombardi)

sábado, 17 de agosto de 2013

RETROSPECTIVA

Porque a vida é feita de proibições,
eu não compus todas as canções,
não percebi a brisa suspirar,
eu esqueci cantigas de ninar,
dei chances demais à voz dos credos,
não rompi de vez todos os medos,
roubei do tempo um tanto de carinho,
não vi a flor amar o passarinho,
perdi o trem na curva da vertente
e não deixei o mel melar completamente.

Porque a vida é feita de proibições,
larguei o fio, soltaram-se os balões,
deixei que o pião revirasse sozinho,
mandei que o zangão se zangasse baixinho,
desprezei a bruma que baixou o véu,
permiti à palavra dormir no papel,
evitei o desvio que atravessa a estrada,
não quis o desafio da ronda embriagada,
não li o poema do poeta maldito
e não tive o dilema do beijo infinito.

Porque ainda há tempo para o encantamento,
quebre-se o vidro do sermão absoluto,
rompa-se a teia, reveja-se o estatuto,
que a primavera quer amar o chão de vento.
(Flora Figueiredo)

Almas perfumadas

Tem gente que tem cheiro
de passarinho quando canta,
de sol quando acorda,
de flor quando ri.
Ao lado delas,
a gente se sente no balanço de uma rede
que dança gostoso numa tarde grande,
sem relógio e sem agenda.
Ao lado delas,
a gente se sente comendo pipoca na praça,
lambuzando o queixo de sorvete,
melando os dedos com algodão doce
da cor mais doce que tem pra escolher.
O tempo é outro.
E a vida fica com a cara que ela tem de verdade,
mas que a gente desaprende de ver.
Tem gente que tem cheiro
de colo de Deus,
de banho de mar
quando a água é quente e o céu é azul.
Ao lado delas,
a gente sabe que os anjos existem e que alguns são invisíveis.
Ao lado delas,
a gente se sente chegando em casa e trocando o salto pelo chinelo,
sonhando a maior tolice do mundo
com o gozo de quem não liga pra isso.
Ao lado delas,
pode ser abril,
mas parece manhã de Natal,
do tempo em que a gente acordava
e encontrava o presente do Papai Noel.
Tem gente que tem cheiro
das estrelas que Deus acendeu no céu
e daquelas que conseguimos acender na Terra.
Ao lado delas,
a gente não acha que o amor é possível,
a gente tem certeza.
Ao lado delas,
a gente se sente visitando um lugar feito de alegria,
recebendo um buquê de carinhos,
abraçando um filhote de urso panda,
tocando com os olhos os olhos da paz.
Ao lado delas,
saboreamos a delícia do toque suave
que sua presença sopra no nosso coração.
Tem gente que tem cheiro
de cafuné sem pressa,
do brinquedo que a gente não largava,
do acalanto que o silêncio canta,
de passeio no jardim.
Ao lado delas,
a gente percebe que a sensualidade
é um perfume que vem de dentro
e que a atração que realmente nos move
não passa só pelo corpo.
Corre em outras veias.
Pulsa em outro lugar.
Ao lado delas,
a gente lembra que no instante em que rimos
Deus está conosco, juntinho, ao nosso lado.
E a gente ri grande que nem menino arteiro.
Tem gente como você,
que nem percebe como tem a alma perfumada
e que esse perfume é dom de Deus.
(Carlos Drumond de Andrade)






sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Serenata


Permita que eu feche os meus olhos,

pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.
Permita que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio 
e a dor é de origem divina.
Permita que eu volte o meu rosto para um 
céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho como 
as estrelas no seu rumo.
(Cecília Meireles)



quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A DANÇA

Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio 
ou flecha de cravos que propagam o fogo: 
te amo secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva 
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores, 
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo 
o apertado aroma que ascender da terra.


Te amo sem saber como, nem quando, nem onde, 
te amo diretamente sem problemas nem orgulho: 
assim te amo porque não sei amar de outra maneira, 


Se não assim deste modo em que não sou nem és 
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha 
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.


CANÇÃO DA MINHA TERNURA

Rondaste o meu castelo solitário
como um rio de vozes e de gestos;
baixei as minhas pontes fatigadas
e conheci teus lumes, teus agrados
teus olhos de ouro negro que confundem;
andei na tua voz como num rio
de fogo e mel e raros peixes belos,
cheguei na tua ilha e atrás da porta
me deste o banquete dos ardores
teus.

Mas às vezes sou quem volta
a erguer as pontes e cavar o fosso
e agora em sua torre, ternamente,
sem mágoa se debruça nas varandas
vendo-te ao longe , barco nessas águas,
querendo ainda estar se regressares
-porque seria pena naufragarmos
se poderias ter, sem tantas dores,
viagens e chegadas nos amores meus.


(Lya Luft)

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

LÁGRIMAS OCULTAS


Se me ponho a cismar em outras eras
Em que rí e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi outras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
[Florbela Espanca]



quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O Solitário

Ajuda esse pobre
Faminto e sedento
De amor e de paz
De afeto e carinho

Que vive sem rumo
Sem pai e sem mãe
Que vai e que vem
Sozinho no mundo

Não negues a ele
A tua amizade
A felicidade de ter companhia

De poder conversar, dividir alegrias
De sorrir, de cantar
De viver cada dia.

(Nilza Rodrigues)

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Se...

Se eu pudesse deixar algum presente a você, 
deixaria acesso ao sentimento de amar a vida dos seres humanos. 
A consciência de aprender tudo o que foi ensinado pelo tempo afora... 
Lembraria os erros que foram cometidos para que não mais se repetissem. 
A capacidade de escolher novos rumos. 
Deixaria para você, se pudesse, o respeito àquilo que é indispensável: 
Além do pão, o trabalho. 
Além do trabalho, a ação. 
E, quando tudo mais faltasse, um segredo: 
O de buscar no interior de si mesmo 
a resposta e a força para encontrar a saída."


(Mahatma Gandhi)

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Para Ti

Foi para ti 

que desfolhei a chuva 

para ti soltei o perfume da terra 

toquei no nada 

e para ti foi tudo 



Para ti criei todas as palavras 

e todas me faltaram 

no minuto em que talhei 

o sabor do sempre 



Para ti dei voz 

às minhas mãos 

abri os gomos do tempo 

assaltei o mundo 

e pensei que tudo estava em nós 

nesse doce engano 

de tudo sermos donos 

sem nada termos 

simplesmente porque era de noite 

e não dormíamos 

eu descia em teu peito 

para me procurar 

e antes que a escuridão 

nos cingisse a cintura 

ficávamos nos olhos 

vivendo de um só 

amando de uma só vida.



segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho. 
Cada momento mudei. 
Continuamente me estranho. 
Nunca me vi nem acabei. 
De tanto ser, só tenho alma. 
Quem tem alma não tem calma. 
Quem vê é só o que vê, 
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo, 
Torno-me eles e não eu. 
Cada meu sonho ou desejo 
É do que nasce e não meu. 
Sou minha própria paisagem; 
Assisto à minha passagem, 
Diverso, móbil e só, 
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo 
Como páginas, meu ser. 
O que segue não prevendo, 
O que passou a esquecer. 
Noto à margem do que li 
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.


(Fernando Pessoa)

domingo, 4 de agosto de 2013

Entre aspas: Explosões


Não tenho nada a ver com explosões”, diz um verso de Sylvia Plath. Eu li como se tivesse sido escrito por mim. Também não faço muito barulho, ainda que seja no silêncio que nos arrebentamos.

Tampouco tenho a ver com o espaço sideral, com galáxias ou mesmo com estrelas. Preciso estar firmemente pousada sobre algo — ou alguém. Abraços me seguram.

E eu me agarro. Tenho medo da falta de gravidade: solta demais me perco, não vôo senão em sonhos.

Não tenho nada a ver com o mato, com o meio da selva, com raízes que brotam do chão e me fazem tropeçar, cair com o rosto sobre folhas e gravetos feito uma fugitiva dos contos de fada, a saia rasgando pelo caminho, a sensação de ser perseguida.

Não tenho nada a ver com cipós, troncos, ruídos que não sei de onde vêm e o que me dizem.
Não me sinto à vontade onde o sol tem dificuldade de entrar.
Prefiro praia, campo aberto, horizonte, espaço pra correr em linha reta. Ou para permanecer sem susto.

Não tenho nada a ver com boate, com o som alto impedindo a voz, com a sensualidade comprada em shopping, com o ajuntamento que é pura distância, as horas mortas desgastando o rosto, a falsa alegria dos ausentes de si mesmos.

Não tenho nada a ver com o que é dos outros, sejam roupas, gostos, opiniões ou irmãos, não me escalo para histórias que não são minhas, não me envolvo com o que não me envolve, não tomo emprestado nem me empresto.

Se é caso sério eu me dôo, se é bobagem eu me abstenho, tenho vida própria e suficiente pra lidar, sobra pouco de mim para intromissões no que me é ainda mais estranho do que eu mesma.

Não tenho nada a ver com cenas de comerciais de TV, sou um filme sueco, uma comédia britânica, um erro de adaptação, um personagem que esquece a fala, nada possuo de floral ou carnaval, não aprendi a ser festiva, sou apenas fácil.

Não tenho nada a ver com igrejas, rezas e penitências, são raros os padres com firmeza no tom, é sempre uma fragilidade oral, um pedido de desculpas em nome de todos, frases que só parecem ter vogais, nosso sentimento de culpa recolhido como um dízimo.

Nada tenho a ver com não gostar de mim. Me aceito impura, me gosto com pecados, e há muito me perdoei.

Não tenho nada a ver com galáxia, mato, boate, a vida dos outros, os comerciais de TV e igrejas.

Meu mundo se resume a palavras que me perfuram, a canções que me comovem, a paixões que já nem lembro, a perguntas sem respostas, a respostas que não me servem, à constante perseguição do que ainda não sei.
Meu mundo se resume ao encontro do que é terra e fogo dentro de mim, onde não me enxergo, mas me sinto.

Minto, tenho tudo a ver com explosões.


(Martha Medeiros)