Não tenho nada a ver com explosões”, diz um verso de Sylvia Plath. Eu li como
se tivesse sido escrito por mim. Também não faço muito barulho, ainda que seja
no silêncio que nos arrebentamos.
Tampouco tenho a ver com o espaço sideral, com galáxias ou mesmo com estrelas.
Preciso estar firmemente pousada sobre algo — ou alguém. Abraços me seguram.
E eu me agarro. Tenho medo da falta de
gravidade: solta demais me perco, não vôo senão em sonhos.
Não tenho nada a ver com o mato, com o meio da selva, com raízes que brotam do
chão e me fazem tropeçar, cair com o rosto sobre folhas e gravetos feito uma
fugitiva dos contos de fada, a saia rasgando pelo caminho, a sensação de ser
perseguida.
Não tenho nada a ver com cipós,
troncos, ruídos que não sei de onde vêm e o que me dizem.
Não me sinto à vontade onde o sol tem
dificuldade de entrar.
Prefiro praia, campo aberto, horizonte,
espaço pra correr em linha reta. Ou para permanecer sem susto.
Não tenho nada a ver com boate, com o som alto impedindo a voz, com a
sensualidade comprada em shopping, com o ajuntamento que é pura distância, as
horas mortas desgastando o rosto, a falsa alegria dos ausentes de si mesmos.
Não tenho nada a ver com o que é dos outros, sejam roupas, gostos, opiniões ou
irmãos, não me escalo para histórias que não são minhas, não me envolvo com o
que não me envolve, não tomo emprestado nem me empresto.
Se é caso sério eu me dôo, se é bobagem
eu me abstenho, tenho vida própria e suficiente pra lidar, sobra pouco de mim
para intromissões no que me é ainda mais estranho do que eu mesma.
Não tenho nada a ver com cenas de comerciais de TV, sou um filme sueco, uma
comédia britânica, um erro de adaptação, um personagem que esquece a fala, nada
possuo de floral ou carnaval, não aprendi a ser festiva, sou apenas fácil.
Não tenho nada a ver com igrejas, rezas e penitências, são raros os padres com
firmeza no tom, é sempre uma fragilidade oral, um pedido de desculpas em nome
de todos, frases que só parecem ter vogais, nosso sentimento de culpa recolhido
como um dízimo.
Nada tenho a ver com não gostar de mim.
Me aceito impura, me gosto com pecados, e há muito me perdoei.
Não tenho nada a ver com galáxia, mato, boate, a vida dos outros, os comerciais
de TV e igrejas.
Meu mundo se resume a palavras que me
perfuram, a canções que me comovem, a paixões que já nem lembro, a perguntas
sem respostas, a respostas que não me servem, à constante perseguição do que
ainda não sei.
Meu mundo se resume ao encontro do que
é terra e fogo dentro de mim, onde não me enxergo, mas me sinto.
Minto, tenho tudo a ver com explosões.
(Martha Medeiros)