segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Chove

Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego…

Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece…

Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente…


(Fernando Pessoa)

domingo, 29 de setembro de 2013

Canção do dia de sempre

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...


(Mario Quintana)

sábado, 28 de setembro de 2013

Amores Eternos

Eu acredito em amores eternos, daqueles que acompanham a gente pela vida inteira, como se tempo e amor se fundissem num só elemento, tornando-se imutáveis, indestrutíveis.

Eu acredito em amores eternos, daqueles que vão com você para qualquer lugar, não importando o quão distante você esteja, por que a pessoa amada reside em seu próprio coração.

Acredito em amores eternos e sublimes, capazes de reconsiderar tudo, com suavidade, ternura e perdão.Acredito, sim, em amores para toda a vida, e além da vida, pois seria um tipo de amor unido à própria alma, e sem alma a vida não tem razão...

Amores eternos existem sim, e superam qualquer coisa, mesmo quando ninguém mais acredita neles, eles continuam sempre à espreita, esperando apenas um olhar, um retorno, uma reconciliação.


(Augusto Branco)

terça-feira, 24 de setembro de 2013

A DESCOBERTA DO AMOR


Ensaia um sorriso 
e oferece-o a quem não teve nenhum. 
Agarra um raio de sol 
e desprende-o onde houver noite. 
Descobre uma nascente 
e nela limpa quem vive na lama. 
Toma uma lágrima 
e pousa-a em quem nunca chorou. 
Ganha coragem 
e dá-a a quem não sabe lutar. 
Inventa a vida 
e conta-a a quem nada compreende. 
Enche-te de esperança 
e vive á sua luz. 
Enriquece-te de bondade 
e oferece-a a quem não sabe dar. 
Vive com amor 
e fá-lo conhecer ao Mundo.


(Mahatm Gandhi)

domingo, 22 de setembro de 2013

PRIMAVERA

Ela chega discreta
na metamorfose divina
com seus encantos, sua beleza
Seus vários perfumes,
com seu jeito peculiar.
Da vida ao seco
trazendo vigor da florada
uma eclosão de cores
num calor de amores
em uma brisa que enternece.
Crianças brincando na chuva
sobre um céu colorido
olhares sorridentes
pulsando nos movimentos
Ah, doce e bela primavera!


(Patricia Tieko)

Os Teus Pés

Quando não posso contemplar
teu rosto,
contemplo os teus pés.

Teus pés de osso arqueado,
teus pequenos pés duros.

Eu sei que te sustentam
e que teu doce peso
sobre eles se ergue.

Tua cintura e teus seios,
a duplicada púrpura
dos teus mamilos,
a caixa dos teus olhos
que há pouco levantaram vôo,
a larga boca de fruta,
tua rubra cabeleira,
pequena torre minha.

Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem.


(Pablo Neruda)

sábado, 21 de setembro de 2013

Você não Sabe

Você não sabe da saudade que sinto. 
Do desassossego, das noites insones. 
Da febre e delírio por desejar - te tanto 
De dormir e acordar chamando teu nome

Você não sabe que nesse silêncio adormeço 
E viajo em falsos sonhos fugindo de mim 
Tentando resgatar talvez nosso começo. 
Na tentativa de adiar o inevitável fim.

Você não sabe da necessidade selvagem e louca 
De sentir pra sempre o gosto da tua boca. 
De abraçar-te nas noites frias de inverno.

Você não sabe do fascínio que ainda existe. 
E do desejo ardente, insano que persiste. 
De adormecer nesse abraço quente e terno. 


(Glória Salles)

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Da Chegada do Amor


Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.

Sempre quis uma amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.

Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse. 

Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.

Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.

Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.

Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.

Sempre quis uma amor
que não se chateasse
diante das diferenças.

Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.

Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.

Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.

Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.

Sem senãos.

Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.

Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.

Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.

Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.

Sempre quis um amor não omisso
e que suas estórias me contasse. 

Ah, eu sempre quis uma amor que amasse.
(Elisa Lucinda)

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. 
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco. 
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos. 
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
(Carlos Drummond de Andrade)

Ele nem sabe....


Ele não sabe mais nada sobre mim.
Não sabe que o aperto no meu peito diminuiu, que meu cabelo cresceu, que os meus olhos estão menos melancólicos, mas que tenho estado quieta, calada, concentrada numa vida prática e sem aquela necessidade toda de ser amada.
Ele não sabe quantos livros pude ler em algumas semanas.
Não sabe quais são meus novos assuntos nem os filmes favoritos.
Ele não sabe que a cada dia eu penso menos nele, mas que conservo alguma curiosidade em saber se o seu coração está mais tranqüilo, se seu cabelo mudou, se o seu olhar continua inquieto.
Ele nem imagina quanta coisa pude planejar durante esses dias todos e como me isolei pra tentar organizar todos os meus projetos.
Ele não sabe quantos amigos desapareceram desde que me desvencilhei da minha vida social intensa.
Que tenho sentido mais sono e ainda assim, dormido pouco.
Que tenho escrito mais no meu caderno de sonhos. Que aqui faz tanto frio, ele não sabe por mim.
Ele não sabe que eu nunca mais me atentei pra saudade.
Que simplesmente deixei de pensar em tudo que me parecia instável.
Que aprendi a não sobrecarregar meu coração, este órgão tão nobre.
Ele não sabe que eu entendi que se eu resolver a minha dor, ainda assim, poderei criar através da dor alheia sem precisar sofrer junto pra conceber um poema de cura.
Hoje foi um dia em que percebi quanta coisa em mim mudou e ele não sabe sobre nada disso.
Ele não sabe que tenho estado tão só sem a devastadora sensação de me sentir sozinha. Ele não sabe que desde que não compartilhamos mais nada sobre nós, eu tive que me tornar minha melhor companhia:
ele nem imagina que foi ele quem me ensinou esta alegria.
(Marla de Queiroz)

domingo, 15 de setembro de 2013

O teu Riso


Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera , amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.


(Pablo Neruda)

sábado, 14 de setembro de 2013

Na ilha por vezes habitada

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.


(José Saramago)

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Panorama além

Não sei que tempo faz, nem se é noite ou se é dia.
Não sinto onde é que estou, nem se estou.

Não sei de nada.
Nem de ódio, nem amor. Tédio? Melancolia.
-Existência parada. Existência acabada. 

Nem se pode saber do que outrora existia.
A cegueira no olhar. Toda a noite calada
no ouvido. Presa a voz. Gesto vão. Boca fria.
A alma, um deserto branco: -o luar triste na geada...

Silêncio. Eternidade. Infinito. Segredo.
Onde, as almas irmãs? Onde, Deus? Que degredo!
Ninguém.... O ermo atrás do ermo: - é a paisagem daqui.

Tudo opaco... E sem luz... E sem treva... O ar absorto...
Tudo em paz... Tudo só... Tudo irreal... Tudo morto...
Por que foi que eu morri? Quando foi que eu morri?


(Cecília Meireles)

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Soneto 18

Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.

Ás vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.

Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:

Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.


(William Shakespeare)

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Navegar

Navega, descobre tesouros,
mas não os tires do fundo do mar, 
o lugar deles é lá. 

Admira a Lua, 
sonha com ela,
mas não queiras trazê-la para Terra. 

Goza a luz do Sol, 
deixa-te acariciar por ele.
O calor é para todos.

Sonha com as estrelas, 
apenas sonha, 
elas só podem brilhar no céu. 

Não tentes deter o vento, 
ele precisa correr por toda a parte, 
ele tem pressa de chegar sabe-se lá onde. 

As lágrimas? 
Não as seques, 
elas precisam correr na minha, na tua, em todas as faces. 

O sorriso!
Esse deves segurar, 
não o deixes ir embora, agarra-o! 

Quem amas? 
Guarda dentro de um porta jóias, tranca, perde a chave! 
Quem amas é a maior jóia que possuis, a mais valiosa. 

Não importa se a estação do ano muda, 
se o século vira, conserva a vontade de viver,
não se chega a parte alguma sem ela. 

Abre todas as janelas que encontrares e as portas também. 
Persegue o sonho, mas não o deixes viver sozinho. 
Alimenta a tua alma com amor, cura as tuas feridas com carinho. 

Descobre-te todos os dias, 
deixa-te levar pelas tuas vontades, 
mas não enlouqueças por elas. 

Procura! 
Procura sempre o fim de uma história, 
seja ela qual for. 

Dá um sorriso àqueles que esqueceram como se faz isso. 
Olha para o lado, há alguém que precisa de ti. 
Abastece o teu coração de fé, não a percas nunca. 

Mergulha de cabeça nos teus desejos e satisfá-los. 
Agoniza de dor por um amigo, 
só sairás dessa agonia se conseguires tirá-lo também. 

Procura os teus caminhos, mas não magoes ninguém nessa procura. 
Arrepende-te, volta atrás, 
pede perdão! 

Não te acostumes com o que não te faz feliz, 
revolta-te quando julgares necessário. 
Enche o teu coração de esperança, mas não deixes que ele se afogue nela. 

Se achares que precisas de voltar atrás, volta! 
Se perceberes que precisas seguir, segue! 

Se estiver tudo errado, começa novamente. 
Se estiver tudo certo, continua. 

Se sentires saudades, mata-as. 
Se perderes um amor, não te percas! 
Se o achares, segura-o! 

Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala. 
"O mais é nada".


(Fernando Pessoa)

domingo, 8 de setembro de 2013

Se eu morrer antes de você


Se eu morrer antes de você, faça-me um favor:
Chore o quanto quiser, mas não brigue comigo.
Se não quiser chorar, não chore;
Se não conseguir chorar, não se preocupe;
Se tiver vontade de rir, ria;
Se alguns amigos contarem algum fato a meu respeito, ouça e acrescente sua versão;
Se me elogiarem demais, corrija o exagero.
Se me criticarem demais, defenda-me;
Se me quiserem fazer um santo, só porque morri, mostre que eu tinha um pouco de santo, mas estava longe de ser o santo que me pintam;
Se me quiserem fazer um demônio, mostre que eu talvez tivesse um pouco de demônio, mas que a vida inteira eu tentei ser bom e amigo...
E se tiver vontade de escrever alguma coisa sobre mim, diga apenas uma frase:
-"Foi meu amigo, acreditou em mim e sempre me quis por perto!"
Aí, então derrame uma lágrima.
Eu não estarei presente para enxugá-la, mas não faz mal.
Outros amigos farão isso no meu lugar.
Gostaria de dizer para você que viva como quem sabe que vai morrer um dia, e que morra como quem soube viver direito.
Amizade só faz sentido se traz o céu para mais perto da gente, e se inaugura aqui mesmo o seu começo.
Mas, se eu morrer antes de você, acho que não vou estranhar o céu.
"Ser seu amigo, já é um pedaço dele..."
             (Vinicius de Moraes)

                

sábado, 7 de setembro de 2013

Soneto da Desesperança

De não poder viver sua esperança 
Transformou-a em estátua e deu-lhe um nicho 
Secreto, onde ao sabor do seu capricho 
Fugisse a vê-la como uma criança. 

Tão cauteloso fez-se em seus cuidados 
De não mostrá-la ao mundo, que a queria 
Que por zelo demais, ficaram um dia 
Irremediavelmente separados. 

Mas eram tais os seus ciúmes dela 
Tão grande a dor de não poder vivê-la, 
Que em desespero, resolveu-se: - Mato-a! 

E foi assim que triste como um bicho 
Uma noite subiu até o nicho 
E abriu o coração diante da estátua.

(Vinícius de Moraes)

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Preciso de Alguém


Preciso de Alguém
Que me olhe nos olhos quando falo.
Que ouça as minhas tristezas e neuroses com paciência.
E, ainda que não compreenda, respeite os meus sentimentos.
Preciso de alguém, que venha brigar ao meu lado sem precisar ser convocado;
alguém Amigo o suficiente para dizer-me as verdades que não quero ouvir,
mesmo sabendo que posso odiá-lo por isso.

Nesse mundo de céticos, preciso de alguém que creia,
nessa coisa misteriosa, desacreditada, quase impossível: A Amizade.
Que teime em ser leal, simples e justo, que não vá embora se algum dia eu
perder o meu ouro e não for mais a sensação da festa.
Preciso de um Amigo que receba com gratidão o meu auxílio, a minha mão estendida.
Mesmo que isto seja muito pouco para suas necessidades.

Preciso de um Amigo que também seja companheiro, nas farras e pescarias,
nas guerras e alegrias, e que no meio da tempestade, grite em coro comigo:
'Nós ainda vamos rir muito disso tudo', e ria muito.
Não pude escolher aqueles que me trouxeram ao mundo, mas posso escolher meu Amigo.
E nessa busca empenho a minha própria alma, pois com uma Amizade Verdadeira,
a vida se torna mais simples, mais rica e mais bela.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

PRECE

Alivia a minha alma, faze com que eu sinta que Tua mão está dada à minha,
faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade,
faze com que eu sinta que amar é não morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte,
faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária,
faze com que eu não Te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta,
faze com que me lembre de que também não há explicação porque um filho quer o beijo de sua mãe e no entanto ele quer e no entanto o beijo é perfeito,
faze com que eu receba o mundo sem receio, pois para esse mundo incompreensível eu fui criada e eu mesma também incompreensível,
então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la,
abençoa-me para eu viva com alegria o pão que eu como, o sono que durmo,
faze com que eu tenha caridade por mim mesma, pois senão não poderei sentir que Deus me amou,
faze com que eu perca o pudor de desejar que na hora de minha morte haja uma mão humana amada para apertar a minha, amém.
(Clarice Lispector)

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

SONETO DO DESMANTELO AZUL

Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos 
e colori as minhas mãos e as tuas,

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.

E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.

E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.


(Carlos Pena Filho)